Nenhum Banco Central será capaz de emitir moeda suficiente ou cobrar juros negativos o suficiente para evitar que a economia afunde.
Mervyn King foi o governador da “Velha Senhora”( The Old Lady ): o Banco da Inglaterra, o segundo banco central mais antigo do mundo fundado em 1694 para arrecadar dinheiro para reeguer a marinha inglesa depois que ela foi destruída pela França.
Capaz de abalar líderes britânicos e europeus, e capaz de sacudir o sistema e seus banqueiros, King está detalhando suas percepções sobre “uma crise de dívida”; que virá em breve, diz ele.
Sua gestão de 2008 foi altamente discutível. Mas, com o passar do tempo, ele entendeu o problema melhor do que os outros e adotou políticas monetárias ultraexpansivas apesar de, agora, ser crítico dos bancos centrais. Especialmente com o Banco Central Europeu (BCE): “O banco entrou em território político”, acrescenta.
Covid é um exemplo clássico de incerteza radical: uma pandemia global era um evento altamente provável, assim como um acidente climático. Mas, ainda assim, virou o mundo de cabeça para baixo.
O impossível era saber que um coronavírus da China se espalharia pelo mundo e atribuiria uma probabilidade a esse evento: Modelos matemáticos são ótimos, mas, antes de se envolver nessa tarefa absurda de tentar medir tudo, é preciso fazer um esforço para entender a natureza de fenômenos como o covid.
Muitos economistas acreditam que podem aplicar seus modelos em qualquer coisa e isso significa, apenas, que não entendem nada.
A Grande Depressão foi um choque para a economia. A Grande Recessão foi decepcionante em termos de pensamento econômico: a crise foi um fracasso do sistema e das ideias que a sustentavam, mas, mesmo assim, perdemos a oportunidade de repensá-la.
Com as regras que regulamentam a aviação, os acidentes aéreos tornaram-se menos comuns; as crises financeiras, por outro lado, estão se tornando mais frequentes devido ao controle centralizado de alguns que impulsionam as crises e os crescimentos em seu favor. Tais pessoas as determinam e as fazem ir e vir para promover seus interesses.
Mas com o covid, uma coisa boa pode acontecer: que os recursos irão de setores e empresas inviáveis para setores e empresas com futuro. King parafraseia Schumpeter e a destruição criativa dele.
A economia moderna enfatiza a eficiência. O sistema financeiro é um bom exemplo: antes da crise, o sistema bancário era muito eficiente e ganhava muito dinheiro, mas, vimos como era frágil pela sua própria natureza e não foi feito nenhum esforço para aumentar a sua resiliência, apesar de sabermos que mais crises viriam, com ou sem covid.
Os países têm fundos de pensão, benefícios, serviços públicos de saúde, mas o coronavírus revelou a fragilidade das nossas sociedades, mesmo as mais avançadas. Os políticos devem focar nisso, no aumento da resiliência do sistema e na correção das origens nocivas das crises : ganância financeira e econômica e irresponsabilidade.
Próxima parada: crise sistêmica de dívida
Em 2020, as economias desenvolvidas caíram 10% e em 2021 podem crescer cerca de 5%: os números exatos são completamente desconhecidos. Mas, o importante não é fazer uma previsão do PIB e, sim, mas ampliar o foco. E o que está se aproximando é uma crise de dívida, que virá em breve.
A dívida global está acima dos níveis de 2007 e empresas e estados aumentaram ainda mais suas dívidas com a pandemia. Quando as muletas do Estado forem retiradas, haverá falências de empresas e, muito provavelmente, crises de dívida soberana em países emergentes.
O fato de tudo isso acontecer de forma mais ou menos sincronizada é um problema sério, com potencial para provocar uma crise financeira.
É impossível saber quando e onde exatamente isso vai acontecer, devido à incerteza radical, mas o sistema range do lado da dívida.
É hora de dizer em alto e bom som que existem limites que os bancos centrais não podem ultrapassar porque não têm um mandato e porque ninguém vota nos banqueiros centrais.
Em 2020, com o surgimento do covid, os governos hibernaram a economia: a narrativa econômica atual nos diz que a combinação de estímulo fiscal e políticas monetárias ultraexpansivas fracassou. Não há benefício no ativismo dos bancos centrais.
O que é necessário é que os governos apoiem as empresas e os trabalhadores: não são os bancos centrais que têm de fazer isso e eles não têm um mandato para o fazer.
O perigo é que os bancos centrais façam coisas para as quais não têm mandato e, ao fazê-las, coloquem em risco a estabilidade nacional e internacional.
O caso extremo é o BCE, que se tornou um animal político: passou anos realocando recursos de uma parte da zona do euro para outra sem um mandato para fazê-lo.
O euro foi criado fingindo que uma união monetária é viável sem uma união fiscal. Isso causa tensão constante, como a que vimos em 2010 no Sul: na ausência de transferências fiscais do Norte para o Sul, é muito difícil manter a zona do euro unida.
Com o covid, a Europa não optou, desta vez, pela austeridade. Mas, sim, pelos fundos europeus: pelas transferências fiscais. Mas, no momento, é algo temporário, por um vez, e em vez disso, é um desafio permanente para a zona do euro.
A única coisa certa é que outra crise virá e, então, será tarde demais para consertar o avião em pleno vôo.
O risco devido à irresponsabilidade dos políticos em dar o passo adiante exigido é que os governos serão pressionados a fazerem transferências fiscais pela porta dos fundos por meio de seus bancos centrais, o que significa mais criação de dívida. Essa não é uma maneira transparente ou honesta de lidar com o problema.
BCE se movendo cada vez mais para o território político
Com a crise passada, descobrimos que há um limite para a dor econômica que pode ser imposta na busca de uma solução sem uma resposta política. E, na próxima crise, divisões podem ressurgir naquela batalha entre vontade política e realidade econômica.
King criticou, duramente, a postura incompetente dos políticos durante a negociação do Brexit.
Os britânicos não entendiam como esse compromisso era forte. O Brexit era quase inevitável após a criação da União Econômica e Monetária: a Grã-Bretanha não quer pagar para manter o euro unido. Preferem o seu parlamentarismo ao Parlamento Europeu, não querem estar sujeitos ao “Tribunal de Justiça” europeu.
As consequências políticas do Brexit são formidáveis, mas, daqui a pouco, os britânicos verão que as consequências econômicas não são tão ruins. O que eles ainda não sabem é se o mecanismo criado para o comércio e as disputas regulatórias funcionará. Isso vai ser interessante.
Há um problema de demanda global: estagnação secular. Se a economia funcionasse razoavelmente bem, o equilíbrio econômico global se regeneraria em uma recessão pois os recursos iriam de empresas em declínio para empresas com futuro, de setores inviáveis para setores viáveis.
Isso não acontece porque temos problemas com preços: com taxas de câmbio, por exemplo. A China é um exemplo clássico. O euro também: A Alemanha e o Norte têm uma moeda significativamente desvalorizada; O resultado é que a Alemanha continua investindo em seu setor de exportação, apesar de retornos muito baixos, em vez de investir em em seu próprio país, onde poderia tornar sua demanda doméstica lucrativa.
É possível que a crise que se aproxima, paradoxalmente, venha a ser útil se conseguirmos ter mecanismos de reestruturação bem articulados. Mas, para fazer isso, devemos ser capazes de entender as narrativas certas: Trump convenceu os americanos de que os Estados Unidos foram os perdedores da Guerra Fria e da globalização; os alemães estão convencidos de que são os Paganinis da Europa.
O sintoma mais óbvio do grande desequilíbrio da economia mundial são as taxas de juros extremamente baixas. Outro dado preocupante é o nível de endividamento. Mais cedo ou mais tarde, veremos falências de empresas, reestruturações de dívidas privadas e crises de dívida soberana em mercados emergentes. Precisamos, também, de uma reforma da governança monetária global que corre o risco de se fragmentar.