A Mafia Narco no Rio: “O Estado criou esses caras”
December 5, 2010
Por Luis R. Miranda
The Real Agenda
Dezembro 5, 2010
Com grande entusiasmo temos ouvido, lido e visto relatos na mídia tradicional como a polícia militar brasileira tomou posse do “morro do alemão” no Rio de Janeiro. As imagens eram claras e não houve dúvida de que o ataque chocou pessoas no Brasil e no estrangeiro. Isso é o que cada cidade do mundo deve fazer para manter seus cidadãos seguros, certo? Especialmente quando o Brasil sediará a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Que melhor maneira de parecer estar no controle do que colocar o exército nas ruas e prender 20 traficantes que vivem em uma área isolada do Rio e de onde controlam grande parte do tráfico de drogas que flui pela cidade?
Infelizmente, o que tem sido feito nos últimos dias pela polícia, pelo Exército e pela Marinha do Brasil é apenas um show, uma demonstração de força para os telespectadores e para aparecer ante o mundo que o governo é duro com o crime. No entanto, a realidade é diferente e a mídia não pode mostrá-la porque a polícia, o exército e a marinha não a incluiu no show. Vimos algumas partes dessa realidade escondidas nos filmes Tropa de Elite e Tropa de Elite II apresentados nos cinemas há algumas semanas. A realidade é que, como em outros lugares, o crime organizado, especificamente o que está ligado ao tráfico de drogas, é controlado pela mesma polícia. Como temos documentado, isso acontece, também, na Colômbia, México, América Central e Estados Unidos.
No Brasil, não é diferente. Não há necessidade de ser um privilegiado da informação para perceber que as gangues que roubam carros, bancos, executam seqüestros e os cartéis de drogas são, em muitos casos, controlados pela polícia e / ou os militares. É um daqueles segredos que todo mundo sabe, mas preferem ignorar. Então, nada melhor do que perguntar a uma pessoa que esteve no meio desta “luta contra as drogas” e, até hoje, mantém contato próximo com a mesma. Hélio Luz é o ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, e como poucos, conhece a realidade do crime organizado naquela cidade. “O Estado criou esses caras”, diz Luz. Em entrevista concedida à imprensa brasileira, o antigo chefe da polícia disse o que muitos em sua posição conhecem, mas poucos se atrevem a dizer. Mas, desta vez, até os comentaristas de futebol da ESPN Brasil tiveram que expressar a sua preocupação com o circo que foi montado no Rio de Janeiro.
Desde sua casa em Porto Alegre, sul do Brasil, Hélio Luz acompanhou a ação das forças policiais e militares no Complexo do Alemão, onde foram encontrados os bandidos que haviam sido expulsos da Vila Cruzeiro poucos antes. “O Estado nunca teve uma política de segurança para médio e longo prazo”, disse Luz. “Sempre se agiu com uma política de segurança imediata.” O ex-chefe da Polícia Civil falou com a imprensa do sul sobre a crise no Rio de Janeiro enquanto o país se prepara para receber a Copa mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Luz referiu-se especificamente às características do Complexo do Alemão e a corrupção polícial.
O problema, diz Luz, é que, quando os traficantes são pegos por tráfico de drogas, são quase imediatamente liberados. De acordo com o antigo chefe da polícia, na maioria das vezes os traficantes não são sequer registrados, muito menos acusados ou julgados. “Por quê?” Luz perguntou retoricamente. “Porque existem acordos para que isso aconteça.” Ele acrescenta que os traficantes de drogas existem porque a polícia permite. “Existem acordos”, disse Luz. Segundo este ex-policial, esse tipo de crime organizado não aparece de um dia para o outro, mas leva tempo. No caso do Rio de Janeiro e na maioria dos países, os cartéis de drogas organizados cresceram nos últimos 30 anos. Luz acredita que, quando os telespectadores são testemunhas de ações policiais como vimos no Rio há poucos dias, todos acham que os traficantes são os inimigos do Estado, mas, na realidade, diz ele, “eles são membros do Estado”.
Quando Luz foi questionado sobre se a polícia do Rio é corrupta como foi mostrado no filme Tropa de Elite I e II, ele disse: “É muito pior.” Quando os criminosos são capturados em operações como aquelas vistas no Rio, eles são levados para os departamentos de polícia e liberados quase instantaneamente. O problema com essa política é que, se os traficantes estão muito ofuscados, mudar de cidade ou estado faz com que o problema se espalhe para outros sitios. Para reforçar o fato de que a polícia é responsável direta e indiretamente pela existência de organizações criminosas, como no Rio, Luz dá outro exemplo contundente.
“Em 1994, havia 140 pessoas seqüestradas na cidade. O problema era muito grave. Os empresários contratavam empresas de segurança na América do Norte. De repente acabou. Por quê? Porque a policia anti- seqüestro deixou de sequestrar. “
Por que o Rio elogiou a ação da polícia?
Ainda antes do início das incursões nas favelas do Rio de Janeiro, o povo todo aplaudiu os policiais e militares que passavam pelas ruas, pois eles imaginavam que isso iria acontecer. Essa demonstração de força raramente vista, porque as diferentes forças policiais rivalizam, tem sido visto com bons olhos pela maioria da populaçá-. A incerteza é tão grande no Rio que qualquer sinal da presença da polícia é imediatamente saudada e reverenciada. Apesar da violência entre a polícia e os traficantes de drogas, os grupos armados do governo se autodenominam UPP ou Unidades Policiais Pacificadoras. E por que as pessoas batem palmas? Porque, como parte das invasões, essas forças militares especiais recuperaram territórios nas favelas que, até recentemente, pertenciam a traficantes de drogas.
Para Tião Santos, coordenador de Segurança Pública do Movimento de Juventude Viva Rio, as unidades policiais não resolvem o problema de segurança, porque uma vez que estes são removidos, os territórios serão progressivamente ocupados por traficantes, como tem acontecido sempre. “A única vantagem é que eles trazem um pouco de paz por algum tempo.” Entretanto, essa paz é efêmera, algo como o que vimos nos territórios ocupados em zonas de guerra. Tal é o caso hoje em dia do Afeganistão. O governo local controla apenas as áreas em torno da capital Cabul, o resto do país é terra de ninguém e, segundo muitos observadores, não levará muito tempo para que as tropas estrangeiras desocupem, se eles alguma vez forem embora, para que os antigos ocupantes retomem o poder.
Então, qual é a saída real dessa realidade tão brutal?
Como disse um comentarista da ESPN Brasil, essa história não vai mudar até que juízes, advogados, policiais, prefeitos e outros políticos corruptos sejam julgados e enviados para a prisão. É claro que a corrupção é o maior mal que corrói a cidade do Rio em todos os níveis, mas, especialmente, o setor policial. Claro que isso vai além da corrupção do governo. A imprensa, como em muitos outros países, é cúmplice, pois não denuncia categoricamente a corrupção e, sim, perpetua as falsas realidades que mantêm o seqüestro, o tráfico de drogas, o homicídio e outros crimes como parte do pão de cada dia na majestosa cidade do Rio de Janeiro.
Basta ler os jornais para perceber que o foco da mídia é absolutamente oficial, apoiando ataques militares quando acontecem, enquanto escondem a verdadeira origem do problema. Enquanto muitos culpam a pobreza pelo terrorismo urbano, a verdade é que a pobreza no Rio e no resto do Brasil é uma conseqüência dos altos níveis de corrupção oficial que avança impune e fora de controle. Parte do que a corrupção faz, é manter a maioria pobre e ignorante.
Publicamente, acredita-se que o fato de que o governo concede cestas básicas para os pobres, ou que aumenta o salário mínimo de 500-540 reais por mês, -uns 300 dólares-, é um sinal de que o governo está fazendo o seu trabalho com perfeição. Entretanto, os custos para alugar um pequeno apartamento é entre 300 e 700 reais. Todo o mundo tem telefone celular no Brasil, assim como moto ou carro, embora não tenham como pagar e isso é visto como um sinal de progresso. Esta falta de educação do povo, com a participação da classe média, deixa que as coisas continuem como estão -um Estado medíocre, o abuso de poder e o tráfico de influência são ocorrências diárias.
No Brasil, um cidadão tem de pagar cerca de US $ 500 para obter sua carteira de motorista. Lembre-se que o salário mínimo é de $ 300, mas apenas para aqueles que trabalham formalmente. Qualquer serviço prestado pelo Estado ou empresas privadas carregam impostos, entre 30 e 50 por cento, para encher os cofres de um governo que não tem tempo suficiente para dividir o dinheiro e que carece de honestidade e respeito pelos seus próprios cidadãos.
Então a solução para a triste realidade que vive o Rio e o Brasil não é militarizar as ruas, bairros ou cidades, mas -e com ausência de um sistema de ensino real-, que a imprensa como o único meio de transferência de informações discuta a realidade do país e não o que o governo quer apresentar. Isso ajudará o brasileiro a abrir seus olhos realmente, se tornar educado e, em seguida, exigir responsabilidade e respeito aos seus governantes. Enquanto os brasileiros continuarem conformados com a miséria em que vivem, nenhuma força policial ou militar poderá destruir o câncer da corrupção, tráfico de drogas ou o crime organizado.